Peter Francis Lawlor

 Exposição em preto e branco do Rio

 

Em suas caminhadas pelas ruas do Rio, Peter Francis Lawlor surpreendeu-se com as imagens que viu, quando chegou em 1994. Desde então, sempre munido de sua câmera e pesquisando com curiosidade e atenção, costuma aproveitar com seus olhos itinerantes a cena carioca. Cada momento inusitado é motivo para ser capturado pela lente ousada e investigativa. Ipanema, Leblon, Centro, a Zona Norte da cidade com seus cenários característicos: nada lhe escapa ao olhar estrangeiro que, entre surpreso e fascinado, foi se familiarizando, pouco a pouco, com a paisagem tão particular.

Talvez motivado pelas próprias contradições, esse canadense-irlandês vai flagrando em suas fotos os grandes contrastes que a cidade lhe denuncia à lente atenta. Ainda motivado por um olhar ambivalente, entre o estrangeiro e o residente, vai registrando as ambigüidades dessa cidade, ora maravilhosa ora nem tanto.

Rio da violência, da urgência, do samba, da praia e do carnaval. Rio da natureza exuberante, de uma beleza de tirar o fôlego. Rio da armas expostas pelas janelas dos carros destroçados dos policiais. Rio dos assaltos, das crianças na rua vendendo chicletes ou fazendo malabarismos na frente dos carros parados no sinal que, quando abre, logo se escutam buzinas frenéticas exigindo passagem. Rio dos muitos morros, cravejados de favelas, de monumentais e milionárias residências ou verdes de um matagal que resiste confiante ao desmatamento. Rio que carrega em cada contradição a mais explícita exposição. Rio da pobreza e Rio da beleza; dos aleijados exibindo seu aleijão; das mulheres bonitas e bronzeadas expondo seus corpos cuidadosamente torneados. Rio do candomblé, de todos os santos. Rio dos pecados e dos prazeres...tudo isso se revela às lentes do fotógrafo, no instante da fotografia...Rio kitsch, belo, raro, feio ou sexual: tudo vira poesia. Mesmo quando o poético não mostra a beleza, se reveste dela. Essa é a função do olhar cuidadoso e sensível do artista.

Interessado em capturar o instante flagrado, esse artista-fotógrafo, morador de Ipanema, precisa dessa revelação no ato real. A angústia proveniente da incompreensão dos fatos, que escapam à realidade por deformações e contrastes, só é apaziguada pela necessidade de dar sentido através do ato de fotografar. Mas é por tudo isso que Peter Lawlor acaba criando uma espécie de crônica fotográfica da cidade do Rio de Janeiro, sintetizada pela ótica poética do artista. Através de suas fotos lemos a história contemporânea da cidade.

Sua fotografia parece mostrar um Rio de lixo e de luxo, muitas vezes deformado por imagens distorcidas, apenas refletidas em alguma superfície que possibilite um espelhamento qualquer. Para isso aproveita espaços naturais ou não. Mas parece buscar, insistentemente na deformidade, uma forma que dote a vida na cidade de um sentido ao seu olhar ávido de
entendimento. Às vezes a cidade é vista através de uma poça d’água como que a encarnar a inversão, o espelho de si mesma. O prazer, o belo, a lingerie, os amantes refinados, quase sempre aparecem em outdoors, em revistas ou jornais pendurados numa banquinha de jornal. Mundo acessível somente assim aos olhos dos homens mundanos, que, entusiasmados com essas imagens, param diante delas, aceitando simplesmente o deleite do olhar sobre aquilo que lhes é terminantemente inatingível. É exatamente aí onde se cruzam o cidadão comum e o artista, uma vez que ambos usam o olhar e a imaginação diante da realidade ou da ilusão.

O título “The Black and White of Rio” não se refere exatamente ao preto e branco predominante em suas fotos, mas à idéia de um Rio posto a nu, pelo inusitado de suas imagens. Através de um jogo refletido de luz e sombra, o Rio é desnudado no contraste entre a imobilidade da imagem fotografada e a idéia plástica da cena carioca, em que a ginga e o movimento parecem continuar na fotografia. É aí que entra a sensibilidade da visão do artista quando consegue estender o déjà vu da imagem à cena surpreendentemente nova, porque absolutamente transformada pela câmera. Nesse sentido, a visão banalizada de tão comum
aos olhos do cidadão carioca acaba surpreendendo-o igualmente, uma vez que a paisagem cotidiana é transformada pelo caráter único das fotos. Aí o fotógrafo é capaz de surpreender tanto ao estrangeiro quanto à gente da terra, já que todos param para olhar o incomum.

Virginia Heine
August 2004